-Ah, muito bem! - respondera o Cõnsul. _- É como diz: um sistema eléctrico. Mas, depois de beber tequila de mais, o sistema eléctrico fica talvez um pouco mais desarranjado, comprenez, como acontece às vezes no cinema, fiz-me entender? É como se fosse uma espécie de eclampsia. - O Cônsul acenara desesperadamente com a cabeça, tirando os óculos e, nessa altura, lembrava-se agora que estivera sem beber perto de dez minutos, e o efeito de tequila já quase se fora. Espreitara para o jardim e era como se as pálpebras se lhe tivessem desagregado em pedaços e andassem esvoaçando e debatendo-se à sua frente, transformadas em formas nervosas e em sombras, convulsivamente conglobadas num comprometido tagarelar dentro do seu espírito; ainda não eram verdadeiramente vozes, mas elas voltariam, vinham já a caminho, e o panorama da sua alma, semelhante ao de uma cidade, surgira-lhe mais uma vez em frente, mas, desta vez, era uma cidade assolada e consumida pelo negrume dos seus excessos. Fechando os olhos que escaldavam, pensara no belo funcionamento do sistema nervoso daqueles que se encontravam verdadeiramente vivos, com os interruptores ligados, de nervos tensos apenas em caso de perigo, dormindo sonos sem pesadelos e que se encontravam agora calmos, não propriamente a descansar e contudo equilibrados: aquilo devia ser como uma aldeia inundada de paz. Santo Deus, como aquilo lhe aumentava a tortura, (e, entretanto, os outros tinham razão de sobra para supor que ele se estava a divertir tremendamente), o ter consciência de tudo aquilo, enquanto, ao mesmo tempo, consciente da total e horrível desintegração do maquinismo, com a luz ora acesa, ora falhando, agora excessivamente brilhante como acontece com uma bateria quase descarregado- vinha, por fim, a reconhecer toda a cidade mergulhada na escuridão e sem contactos, com o trânsito transformado em mera obstrução, sob a ameaça de um ataque aéreo e as ideias em debandada, semeando o pânico...
Debaixo do Vulcão de Malcolm Lowry, trad. Virgínia Motta, Livros do Brasil, pp. 155-156